Porque escolhi ser Comissário

Digamos que à medida que o tempo vai passando, e que vamos estando cada vez mais ligados ás coisas, por vezes faz sentido dar-mos o salto e seguir-mos para outros voos. A implantação da ideia já não era nova, aliás até já tinha uns bons anos, tudo começou a quando de uma conversa com um colega de faculdade a dar a dica que eu devia avançar e fazer o curso, mas, talvez, nunca se tenha proporcionado a ideia, até ao dia, em que alguém mais chegado em conversa me disse que as bicicletas não eram só 15 dias por ano, eram muitos mais. Foi aqui que decidi pôr-me na rampa de lançamento e lançar-me nesta nova aventura, que me ocupa os fins de semana e não só.

Muitas vezes, as pessoas de fora interrogam-se nas suas cabeças se houve factores externos na minha decisão, e quanto a isso tenho a minha consciência totalmente tranquila pois, das muitas pessoas que conheço e que conheci ao longo da Vida, orgulho-me de nunca ter pedido um favor em meu benefício próprio, vivo de consciência tranquila em tudo o que faço, a decisão de me candidatar foi apenas, e só minha, e apenas foi do conhecimento em casa quando fui admitido no curso, e do conhecimento familiar e público a quando da aprovação no exame final que me deu acesso ao exercício das funções enquanto Comissário Regional Estagiário de Ciclismo.

Já no que toca ao comissariado, o que me moveu para a prática de tal exercício, foi a paixão que tenho por este desporto em concreto, o gosto por aquilo que faço, e por ser um pouco masoquista, porque os comissários, na voz do povo são sempre os maus da fita, por vezes é difícil de compreender e fazer passar pedagogicamente para as pessoas, o quanto custa exercer a nossa função de árbitros em determinada funções, principalmente na vertente de estrada, por sinal a mais complexa. Em desportos como o futebol estamos a falar de correr dentro de um rectângulo e analisar com maior ou menor precisão a posição do jogador ou da bola em determinado sítio da jogada, nós, no ciclismo, em estrada, a rolar a médias de por exemplo 45 km/h temos que analisar corredores, viaturas na caravana (designa-se como caravana velocipédica toda as viaturas que fazem parte da corrida desde o carro de abertura até ao carro vassoura), analisar quedas, avarias, infracções regulamentares, infracções disciplinares, entre tanta outra panóplia de coisas; tecnicamente as decisões são sempre tomadas através do colégio de comissários, com excepção daquelas que podem ser tomada pelos próprios comissários individualmente.

É querer ser o protagonista.

Os Comissários são os actores secundários da corrida, mas sempre com o papel principal.

E porque digo eu esta frase? Por um motivo simples, os actores principais do ciclismo deverão ser sempre, os ciclistas, os homens e mulheres que pedalam quilómetros em cima das suas cabras, a nós comissários/árbitros cabe fazer com que a prova se desenvolva da melhor maneira possível, sempre fazendo o imperativo da Verdade Desportiva, os mais altos valores ético-desportivos e tudo o mais que está associado a uma prática competitiva sana e leal.

Um árbitro, na minha estrita opinião (opinião que não vincula qualquer instituição à qual esteja filiado, nomeadamente a União Ciclista Internacional, UVP – Federação Portuguesa de Ciclismo ou a Associação de Ciclismo de Lisboa ou outra terceira por intermédio destas) para além de ser o Juiz e a entidade máxima desportiva e disciplinar em prova, é também um mediador de conflitos quando existem, é também, ao envergar o seu uniforme, o representante da Federação Nacional ou Internacional, consoante a sua categoria; todas estas funções devem ser exercidas com o máximo de rigor, sapiência, disciplina, tolerância e justeza. A dificuldade de cada membros de uma prova é relativa às suas visões, às suas situações, não poderemos referenciar que a função de um director-desportivo é mais complicada que a do organizador, que as tarefas do organizador são mais difíceis que as dos elementos que asseguram a segurança e progressão da corrida sem incidentes; porque uma caravana velocipédica é um relógio Suíço com movimentos precisos e com compassos muito bem definidos, e nós (comissários), nesta analogia, somos, apenas, a palheta que coordena a roda de escape. Uma falha num qualquer mecanismo ou a perda de um dente numa roda dentada deste relógio, faz com que todo o sistema fique desestabilizado, e nós apenas tentamos que a máquina funcione deste o tiro de partida até  ao cruzar do último atleta na linha de chegada.

A paixão, esse sentimento que reside no ciclismo, é o elemento que nos permite dedicar tanto do nosso tempo a esta actividade de comissariado, muitas vezes colocando algumas coisas para segundo plano para seguir um sonho que temos em nós, que não é apenas uma tarefa desde que chegamos ao local para a abertura do secretariado até à conclusão das actas de corrida e fim das cerimónias protocolares regulamentares; desenganem-se aqueles que pensam que nós não treinamos e que mesmo depois das provas damos o trabalho imediatamente como concluído, mais uma vez falo apenas e só por mim. Antes de cada corrida há uma preparação da mesma, desde a revisão do Regulamento Particular da prova em causa, à revisão do Regulamento Geral e Técnico de Corridas e ás suas actualizações constantes, à coordenação com os colegas para o transporte, à preparação do material a usar nessa prova, o assegurar que todos os cronómetros trabalham, o assegurar que todos os formulários a serem usados estão preparados, que os dossiers estão em conformidade, que a fita métrica, o nível e todos os instrumentos de medição estão na mala, e por fim o assegurar que o uniforme está nas devidas condições. Depois de ter tudo assegurado à que seguir para o Dia D e desenrolar a prova nas melhores condições possíveis, nunca esquecendo que este é um trabalho de equipa, um trabalho que exige uma elevada componente ética e disciplina.

Terminada a prova ou a etapa ainda há que dar tempo à elaboração do relatório da prova e ao preenchimento de todos os papeis requeridos, se a função da nomeação assim o exigir, mas há também lugar a conversas formais ou informais com os colegas sobre tudo o que se passou durante o desenrolar da mesma, porque só conversando e analisando é que conseguimos ver onde é que podemos melhorar. Mas pessoalmente também há uma reflexão e a elaboração de um pequeno documento com os aspectos a corrigir de futuro e com aquilo que, por vezes, levanta dúvidas regulamentares para que possa ser estudado e aprofundado de futuro. 

No fecho da minha segunda época de comissário e feitas as estatísticas oficias aos 80 dias dedicados aos ciclismo, onde se incluem 43 dias oficias de provas com funções de comissariado, 24 dias de acompanhamento de provas sem funções oficiais de comissariado, 10 dias de formação e, por fim, 3 dias de participação num Seminário de Arbitragem, não contado para dados oficiais há que aqui acrescentar a contabilização de 68 dias dedicados ao estudo do ciclismo, os 34 dias dedicados a um processo que ainda corre, e tantas outras horas de trabalho dedicadas a esta paixão. No fundo, foram mais de 262 dias dedicados ao ciclismo,  o balanço é extremamente positivo, foram duas épocas recheadas de muitos acontecimentos, de muita aprendizagem, de muita camaradagem; mas nem tudo são coisas boas, também os houve de momento negativos, quedas aparatosas, incidentes disciplinares, situações de extrema complexidade que tiveram que ser resolvidas; enfim houve de tudo um pouco.

Se questionado fosse de se continuaria no comissariado ou se abandonaria esta prática?

A resposta é simples. Só abandonarei esta paixão se a isso for obrigado!

Por vezes temos que correr atrás dos sonhos e, eu, tenho um sonho, que poderei nunca alcançar, mas tenho um sonho que quero realizar nesta modalidade.

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